Reprovar não é solução, mas aprovar quem não aprendeu pode ter efeitos ainda piores para os estudantes. Essa é a avaliação da consultora e doutora em educação Andrea Ramal, 48.
Em meio à controvérsia sobre as políticas de progressão continuada –sistema que permite que os alunos avancem etapas de ensino sem interrupções– ela afirma que esse modelo ainda é pouco compreendido no Brasil.
Como consequência, também é mal aplicado.
Se, por um lado, fazer um aluno repetir o ano é uma alternativa “cara, ineficiente e até comodista”, por outro é preciso encontrar formas melhores de acompanhar o estudante e de entender as razões da não aprendizagem.
“A ideia [da progressão] não é propriamente que não pode reprovar’, e sim que há meios para que todos aprendam a seu tempo”, afirma a autora de obras como “Depende de Você: Como Fazer de seu Filho uma História de Sucesso” (LTC, 2011).
Leia a entrevista a seguir.
Folha – A progressão continuada objetiva diminuir a evasão e o atraso escolar. Nesse aspecto, ela tem sido uma política bem-sucedida?
Andrea Ramal – A relação entre repetência e evasão escolar é grande, comprovada por pesquisas quantitativas e qualitativas. Mas a melhora que a progressão continuada trouxe no Brasil tem sido mínima. Os dados mais recentes mostram que apenas 54% dos jovens brasileiros conseguem concluir o ensino médio até os 19 anos. Isso é alarmante. E, dos jovens entre 15 e 17 anos de idade, 15,7% já abandonaram os estudos. Comparando com a década passada, evoluímos pouco.
A questão é que, para reduzir a evasão, não basta simplesmente não reprovar. É necessário mudar a experiência de fracasso escolar. Se o estudante é promovido ano após ano, mas não se sente bem na escola, não tem motivação para estudar e perceber as próprias deficiências, acaba constatando que o sistema é uma fraude.
De que forma a progressão pode favorecer o desempenho?
Pedagogicamente, o modelo de progressão continuada faz todo o sentido. Ele parte do princípio de que um conjunto de competências pode precisar mais de um ano para ser desenvolvido. Partindo dessa premissa, exigir que todos os alunos tenham concluído um ciclo de aprendizagem em exatamente 200 dias letivos é arbitrário. Na progressão continuada, entende-se que a escola não produz sujeitos “em série”, que os ritmos de aprendizagem são diferentes e, por isso, o trabalho deve ser personalizado. Se for bem aplicado, esse modelo ajuda a aprender e não desistir. Porém, ele exige um processo de acompanhamento bem diferente. Adotar a progressão continuada sem os requisitos necessários é arriscado e pode ter efeitos mais desastrosos do que a reprovação.
Sem reprovação, como manter o interesse do aluno?
A escola que só mantém o interesse do aluno pelo medo da repetência não é eficaz para o mundo de hoje. Há que reformular o currículo para torná-lo mais próximo do estudante, para que ele se sinta motivado porque o que aprende ajuda a resolver problemas de sua vida e da comunidade. Os exercícios devem ser instigantes, desafiadores, devem despertar a curiosidade.
Parece uma ilusão? Os games conseguem isso. Se os estudantes desejam se superar a cada “fase” de um jogo eletrônico, chegando até a pesquisar novas estratégias para melhorar seu desempenho, podemos conseguir deles a mesma energia. Para isso, a escola precisa ajudar o adolescente a construir o seu projeto de vida.
Se há ganhos pedagógicos, por que o sistema não ganha espaço na rede privada?
A sociedade tem certo preconceito com relação ao sistema de ciclos. Confunde-se o modelo com o da “aprovação automática”. Entende-se que, se o aluno aprendeu, vai passar de ano, e, se não aprendeu, vai passar também. Por isso, sem que a lógica seja compreendida e bem implementada, com todos os recursos necessários, é melhor não arriscar.
Em São Paulo, tanto a prefeitura quanto o Estado mudaram o sistema de ciclos neste ano, ampliando o número de etapas em que o aluno pode ser retido. É uma saída?
O que importa não é mudar o momento em que o aluno pode ser reprovado, mas melhorar as condições para que o conceito dos ciclos funcione de maneira eficaz. Hoje há problemas sérios em todas as redes. Em primeiro lugar, há descontinuidade entre os professores de uma série para outra. Quando ouvimos professores reclamando de que os alunos chegaram “sem base”, isso mostra um trabalho desintegrado, com o qual inclusive nem todos concordam. Ora, poucos professores receberam capacitação para fazer isso e ainda precisam se dividir entre várias outras escolas. Por fim, há o despreparo das famílias. Os pais comparam seus filhos com os dos amigos, nos mesmos níveis escolares, e percebem distâncias. Então, procuram a escola e reclamam, porque a criança passou de ano sem ter aprendido. Eles precisam entender como a progressão funciona e ser capacitados para ajudar em casa, reforçando o trabalho escolar.
Na rede municipal, educadores relataram pressão para aprovar o estudante com notas baixas mesmo no ano em que ele poderia ser retido. Isso é uma realidade nas redes que adotam a progressão?
Lamentavelmente, é uma realidade em várias redes e até em muitas escolas particulares. Tudo começa porque a reprovação é bastante questionada na pedagogia moderna, e com razão. Quando o estudante não aprendeu, uma parcela de responsabilidade (não a única) é da escola, porque poderia ter recorrido a outras estratégias, como aulas de reforço, recuperação paralela, conversas com a família etc.
Fazer um aluno repetir o ano inteiro para ver os mesmos conteúdos é uma alternativa cara, ineficiente e até comodista. O problema é que, partindo desse pressuposto, muitas instituições pressionam os professores para evitar um número excessivo de reprovados, em vez de encarar os motivos da não aprendizagem. Essa pressão é velada, mas existe.
Como é o sistema de progressão pelo mundo?
Diversos países, inclusive alguns de alto desempenho em educação, implementam modelos similares ao da progressão continuada ou dos ciclos. Por exemplo, Coreia do Sul, Suécia, Japão, Noruega ou, mais perto de nós, o Chile. Na Finlândia, a taxa de reprovação é de 2% e o índice de conclusão da educação básica é de 99,7%. Em Hong Kong, quando um professor tem mais de 3% dos alunos com baixo desempenho, uma comissão vai avaliar o trabalho do docente. Mas a ideia lá não é propriamente que “não pode reprovar”, e sim que há meios para que todos aprendam a seu tempo. Aqui, com apenas quatro horas [de aula por dia], é mais complicado.
Fonte: http://ow.ly/G7B1s